Caro professor, aqui temos um ótimo exemplo para trabalhar ambiguidade.
DEGUSTAÇÃO DE VINHO EM
MINAS
- Hummm...
- Eca!!!
- Eca?! Quem falou Eca?
- Fui eu, sô! O senhor num acha
que esse vinho tá com um gostim estranho?
- Que é isso?! Ele lembra frutas
secas adamascadas, com leve toque de trufas brancas, revelando um retrogosto
persistente, mas sutil, que enevoa as papilas de lembranças tropicais
atávicas...
- Putaquepariu sô! E o senhor
cheirou isso tudo aí no copo?!- Claro! Sou um enólogo laureado. E o senhor?
- Cebesta, eu não! Sou isso não
senhor!! Mas que isso aqui tá me cheirando iguarzinho à minha egüinha Gertrudes
depois da chuva, lá isso tá!
- Ai, que heresia! Valei-me São Mouton Rothschild!
- O senhor me desculpe, mas eu vi o
senhor sacudindo o copo e enfiando o narigão lá dentro. O senhor tá gripado, é?
- Não, meu amigo, são técnicas
internacionais de degustação entende? Caso queira, posso ser seu mestre na arte
enológica. O senhor aprenderá como segurar a garrafa, sacar a rolha,
escolher a taça, deitar o vinho e, então...
- E intão moiá o biscoito, né? Tô
fora, seu frutinha adamascada!
- O querido não entendeu. O que eu
quero é introduzi-lo no...
- Mais num vai introduzi mais é
nunca! Desafasta, coisa ruim!
- Calma! O senhor precisa conhecer nosso grupo de degustação. Hoje, por
exemplo, vamos apreciar uns franceses jovens...- Hã-hã... Eu sabia que tinha francês nessa história lazarenta...
- O senhor poderia começar com um Beaujolais!
- Num beijo lê, nem beijo lá! Eu sô é home, safardana!
- Então, que tal um mais encorpado?
- Óia lá, ocê tá brincano com fogo..
- Ou, então, um suave fresco!
- Seu moço, tome tento, que a minha mão já tá coçando de vontade de meter um tapa na sua cara desavergonhada!
- Já sei: iniciemos com um brut, curto e duro. O senhor vai gostar!
- Num vô não, fio de um cão! Mas num vô, memo! Num é questão de tamanho e firmeza, não, seu fióte de brabuleta. Meu negócio é outro, qui inté rima com brabuleta...
- Então, vejamos, que tal um
aveludado e escorregadio?
- E que tal a mão no pé dovido,
hein, seu fióte de Belzebu?- Pra que esse nervosismo todo? Já sei, o senhor prefere um duro e macio, acertei?
- Eu é qui vô acertá um tapão nas suas venta, cão sarnento! Engulidô de rôia!
- Mole e redondo, com bouquet forte?
- Agora, ocê pulô o corguim! E é um... e é dois... e é treis! Num corre, não, fiodaputa! Vorta aqui que eu te arrebento, sua bicha fedorenta!...
Luiz Fernando Veríssimo
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